terça-feira, 1 de março de 2016

CONSEQUÊNCIAS DO ANALFABETISMO GRAMATICAL



Já em 1976, quando, num memorável congresso levado a efeito no Estado do Rio grande do Sul, coloquei em debate nacional a Carta Magna da Língua Portuguesa, alertei ser impossível ensinar Português na modalidade formal, sem basear-se num arcabouço gramatical básico, objetivo e claro. Os docentes sensatos preocupavam-se com os ditos “gramaticidas” que pregavam a extirpação do ensino gramatical nas aulas de português. Alguns linguistas nefelibatas – metidos a cientistas – propunham ensinar somente “comunicação e expressão”. “As gramáticas que vão para o lixo”, diziam. E deu no que deu: 53 mil estudantes zeraram na redação nas últimas provas do ENEM.

É preciso modernizar o ensino gramatical. Os tempos são outros. Mas abandoná-lo, jamais. Muito menos, “jogar a gramática no lixo”. O MEC deve rever suas orientações estampadas no tradicional PCN e no atual projeto BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR disponibilizado para “consulta pública”. Este, diga-se de passagem, já na intitulação, mostra ignorar a sintaxe de colocação dos adnomes nacional, comum, curricular, o que deixa o próprio título obscuro. Urge adotar uma Neopedagogia da Gramática que modernize o ensino da estrutura e o funcionamento da nossa língua nacional. Muitos debates foram realizados desde 1976, em conclaves bem programados, em diversas cidades do nosso país. Visa-se à modernização do ensino das regras naturais para o uso disciplinado da nossa língua, sem incidir no catastrófico analfabetismo gramatical, hoje incrementado por setores do MEC e de alguns cursos de letras. Após os mencionados conclaves, desde 2.002, foram remetidas ao MEC, por diversas vezes, as conclusões preocupantes colhidas nos citados encontros de docentes da nossa língua. Entretanto, profissionais “gabineteiros”, afastados das lides escolares, imbuídos de teorias linguísticas inócuas, bem postados em setores do MEC e nas universidades federias, ditam as normas para o nosso ensino. O resultado está aí. Não poderia se outro.

Os cursos de letras estão formando docentes “analfabetos gramaticais”. As viseiras dos “cientistas linguistas” infestaram não apenas o MEC, mas também a docência em geral e o âmbito acadêmico. Prega-se, nesses cursos formadores de profissionais da língua, que “não se ensine a gramática que reprime e representa a linguagem da classe dominante”. Neste imenso Brasil, temos uma Língua Nacional viva bem caracterizada? É a linguagem objetiva, clara e sóbria da grande imprensa do nosso país, quer na sua versão impressa, quer na sua pronúncia. Ela (imprensa) obviamente jamais vai dizer isso de si mesma – de possuir o modelo de linguagem ideal.  Os docentes do idioma nacional devem ver essa realidade viva e patriótica. Não apenas na redação escrita de seus textos, vemos essa inteligibilidade com abrangência nacional. Sua prolação também se mostra una. Sua pronúncia não traz sotaques regionais. Os locutores dos noticiários nacionais parecem selecionados em provas rígidas. É que os seus empresários visam seriamente ao sucesso da comunicação plena, com abrangência nacional. Realmente, seus textos escritos ou falados são compreendidos pala totalidade dos cidadãos – escolarizados ou não. Eis aí a LÍNGUA NACIONAL VIVA! 

A escola deve respeitar os falares regionais, grupais, ou familiares como algo normal. Jamais referir-se a eles com desfeita e como “errados”. Deve desempenhar seu papel de inclusão social, trazendo naturalmente esses cidadãos para o domínio da língua nacional. Assim, a escola e o professor passam a desempenhar também a função de agente de inclusão social ensinando a língua nacional. Não há necessidade de prestigiar, na escola, a língua da região, do bairro ou de pessoas que não tiveram oportunidade de escolarizar-se. Basta reconhecer e dizer que ela existe e respeitá-la.  

Foi lamentável a tentativa do MEC de incluir em manuais escolares a linguagem dos não escolarizados como ocorreu há alguns anos. A gritaria foi geral. A retirada desses livros foi imediata. Seria a famosa tentativa de tornar “democrático e liberto” o regramento gramatical? Ou seria a subliminar injeção da ideologização como se depara nos programas de ensino do MEC postos em “consulta pública”? 

Assim, torna-se importante tecer alguns comentários sobre a “Base nacional comum curricular”. Melhor seria dizer “Base curricular nacional comum”. Melhor ainda seria excluir o adjetivo “comum”. Salvo melhor juízo, esse admone é redundante e dispensável. Estou apenas opinando. Os cidadãos brasileiros, através da imprensa, foram chamados a se pronunciar. No projeto do MEC, vemos em todas as páginas, no seu fundo, estampada a frase nominal “consulta pública”. 

Embora haja sérios comentários negativos sobre o projeto também referentes a outras áreas, vou opinar somente sobre o que se propõe ensinar em matéria de Língua Portuguesa. Prefiro referi-la como Língua Nacional. Diga-se logo: tudo se faz para excluir das lições escolares o ensino gramatical, uma vez que está nas mentes dos que dizem que a gramática impõe o domínio da língua da classe dominante. Veja-se como se brinca com coisas sérias!

Quero deixar claro que o Centro de Estudos Sintagramaticais não enfatiza o ensino de gramática prescritiva, mas destaca a gramática descritiva adotando sempre, no seu ensino, a estratégia pedagógica do “Levar a perceber”. Leva a perceber como se estrutura e como funciona a língua nacional.  A boa gramática deve ser pró-redação e pró-interpretação. Esta deve ser ensinada. Ela ajuda a redigir com clareza e a interpretar com objetividade. A gramática tradicional, replicada há séculos, não propicia essa ajuda. Muito menos as teorias linguísticas. Elas não levam ao domínio do português instrumental que orienta a redação de bons textos – muito importantes para os futuros profissionais de qualquer área.


BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR

O propósito do MEC de fugir de enfoques gramaticais mostra-se bem claro quando referencia o ensino de Português com a expressão genérica “Linguagens, códigos e suas tecnologias”. No fluir do projeto apresentado, nenhum item versa sobre o ensino gramatical objetivo e útil. Repetimos: não defendemos o ensino de gramática pela gramática que a nada leva. Mas um arcabouço sintático, que mostre como as palavras se formam e se juntam para estruturar a boa frase, é fundamental. Excluir essas lições seria praticar um linguicídio e implantar um inaceitável analfabetismo gramatical, o que torna inacessível o domínio da língua na sua modalidade formal – muito importante para os que precisam se preparar para serem bons profissionais em qualquer área.

As provas do ENEM mostram com clareza a exclusão do ensino gramatical. Se alguém dividir a nossa língua em linguagem vegetativa e linguagem racional, verá que a vegetativa está sendo prestigiada, e a racional - utilizável em redações de textos profissionais está sendo desprezada nas lições escolares e nas próprias provas. Tal orientação representa um verdadeiro crime contra o sexto símbolo nacional que é a língua pátria, ou seja, a língua nacional. Trata-se de um linguicídio que atenta contra a unidade linguística nacional.

Os textos do projeto Base Nacional Comum Curricular (com exceção do título) estão perfeitos. Têm redação clara, inclusive os das propostas das questões das provas do ENEM. Não devemos excluir nossos discentes do ensino médio ou superior da competência de escrever claro e na modalidade formal sabendo sempre justificar as construções utilizadas. Salvo melhor juízo, a Base Nacional Comum Curricular, no fundo, propõe uma exclusão do aprendiz da capacidade imediata ou futura de redigir bem. A boa formação impõe que se ensine a linguagem racional. A vegetativa ele já sabe e a utiliza muito bem no seu meio social restrito.

Apenas para dar alguns exemplos: sem o domínio modernizado do Verbo Diagramado proposto pelo CES, fica difícil o aluno entender por que a modalidade formal seria dizer: Quando vires ( e não “veres”) o trem chegar, avisa-me; Se vieres (e não “vires”) sem computador, será difícil realizar essa pesquisa; Este é o momento de o (e não “do”) juiz tomar a decisão; Os meus alunos têm lido (e não “lidos”) os dois livros; O  professor certificou o aluno de que (e não “que”) lhe devolveu a prova. Professor, eu o vi (e não lhe vi) ontem na televisão.

O docente, sem domínio gramatical, não saberá justificar a modalidade correta dos textos acima. O analfabetismo gramatical vem prejudicando assombrosamente o ensino da língua nacional na sua modalidade formal. Os Parâmetros Curriculares Nacionais, o projeto “Base Nacional Comum Curricular”, os conteúdos das provas de Português do ENEM, todos apontam para esse rumo nefasto. O mais lamentável é que esse mal está sendo implantado desde a formação de professores de letras que se diplomam sem dominar o essencial para o docente da língua pátria. Aí estão as consequências do analfabetismo gramatical em franca implantação no país, inclusive na formação da docência nos cursos de letras.

Prof. Francisco Dequi