Já em 1976, quando,
num memorável congresso levado a efeito no Estado do Rio grande do Sul,
coloquei em debate nacional a Carta Magna da Língua Portuguesa, alertei ser
impossível ensinar Português na modalidade formal, sem basear-se num arcabouço
gramatical básico, objetivo e claro. Os docentes sensatos preocupavam-se com os
ditos “gramaticidas” que pregavam a extirpação do ensino gramatical nas aulas
de português. Alguns linguistas nefelibatas – metidos a cientistas – propunham
ensinar somente “comunicação e expressão”. “As gramáticas que vão para o lixo”,
diziam. E deu no que deu: 53 mil estudantes zeraram na redação nas últimas
provas do ENEM.
É preciso modernizar
o ensino gramatical. Os tempos são outros. Mas abandoná-lo, jamais. Muito
menos, “jogar a gramática no lixo”. O MEC deve rever suas orientações
estampadas no tradicional PCN e no atual
projeto BASE
NACIONAL COMUM CURRICULAR disponibilizado para “consulta pública”. Este,
diga-se de passagem, já na intitulação, mostra ignorar a sintaxe de colocação
dos adnomes nacional,
comum, curricular, o que deixa o próprio título obscuro. Urge adotar
uma Neopedagogia da Gramática que modernize o ensino da estrutura e o
funcionamento da nossa língua nacional. Muitos debates foram realizados desde
1976, em conclaves bem programados, em diversas cidades do nosso país. Visa-se
à modernização do ensino das regras naturais para o uso disciplinado da nossa língua,
sem incidir no catastrófico analfabetismo gramatical, hoje incrementado por
setores do MEC e de alguns cursos de letras. Após os mencionados conclaves,
desde 2.002, foram remetidas ao MEC, por diversas vezes, as conclusões
preocupantes colhidas nos citados encontros de docentes da nossa língua.
Entretanto, profissionais “gabineteiros”, afastados das lides escolares,
imbuídos de teorias linguísticas inócuas, bem postados em setores do MEC e nas
universidades federias, ditam as normas para o nosso ensino. O resultado está
aí. Não poderia se outro.
Os cursos de letras
estão formando docentes “analfabetos gramaticais”. As viseiras dos “cientistas
linguistas” infestaram não apenas o MEC, mas também a docência em geral e o
âmbito acadêmico. Prega-se, nesses cursos formadores de profissionais da
língua, que “não se ensine a gramática que reprime e representa a linguagem da
classe dominante”. Neste imenso Brasil, temos uma Língua Nacional viva bem
caracterizada? É a linguagem objetiva, clara e sóbria da grande imprensa do
nosso país, quer na sua versão impressa, quer na sua pronúncia. Ela (imprensa)
obviamente jamais vai dizer isso de si mesma – de possuir o modelo de linguagem
ideal. Os docentes do idioma nacional devem ver essa realidade viva e
patriótica. Não apenas na redação escrita de seus textos, vemos essa
inteligibilidade com abrangência nacional. Sua prolação também se mostra una.
Sua pronúncia não traz sotaques regionais. Os locutores dos noticiários
nacionais parecem selecionados em provas rígidas. É que os seus empresários
visam seriamente ao sucesso da comunicação plena, com abrangência nacional.
Realmente, seus textos escritos ou falados são compreendidos pala totalidade
dos cidadãos – escolarizados ou não. Eis aí a LÍNGUA NACIONAL VIVA!
A escola deve
respeitar os falares regionais, grupais, ou familiares como algo normal. Jamais
referir-se a eles com desfeita e como “errados”. Deve desempenhar seu papel de
inclusão social, trazendo naturalmente esses cidadãos para o domínio da língua
nacional. Assim, a escola e o professor passam a desempenhar também a função de
agente de inclusão social ensinando a língua nacional. Não há necessidade de
prestigiar, na escola, a língua da região, do bairro ou de pessoas que não
tiveram oportunidade de escolarizar-se. Basta reconhecer e dizer que ela existe
e respeitá-la.
Foi lamentável a
tentativa do MEC de incluir em manuais escolares a linguagem dos não
escolarizados como ocorreu há alguns anos. A gritaria foi geral. A retirada
desses livros foi imediata. Seria a famosa tentativa de tornar “democrático e
liberto” o regramento gramatical? Ou seria a subliminar injeção da
ideologização como se depara nos programas de ensino do MEC postos em “consulta
pública”?
Assim, torna-se
importante tecer alguns comentários sobre a “Base nacional comum curricular”.
Melhor seria dizer “Base curricular nacional comum”. Melhor ainda seria excluir
o adjetivo “comum”. Salvo melhor juízo, esse admone é redundante e dispensável.
Estou apenas opinando. Os cidadãos brasileiros, através da imprensa, foram
chamados a se pronunciar. No projeto do MEC, vemos em todas as páginas, no seu
fundo, estampada a frase nominal “consulta pública”.
Embora haja sérios
comentários negativos sobre o projeto também referentes a outras áreas, vou
opinar somente sobre o que se propõe ensinar em matéria de Língua Portuguesa.
Prefiro referi-la como Língua Nacional. Diga-se logo: tudo se faz para excluir
das lições escolares o ensino gramatical, uma vez que está nas mentes dos que
dizem que a gramática impõe o domínio da língua da classe dominante. Veja-se
como se brinca com coisas sérias!
Quero deixar claro
que o Centro de Estudos Sintagramaticais não enfatiza o ensino de gramática
prescritiva, mas destaca a gramática descritiva adotando sempre, no seu ensino,
a estratégia pedagógica do “Levar a perceber”. Leva a perceber como se
estrutura e como funciona a língua nacional. A boa gramática deve ser
pró-redação e pró-interpretação. Esta deve ser ensinada. Ela ajuda a redigir
com clareza e a interpretar com objetividade. A gramática tradicional,
replicada há séculos, não propicia essa ajuda. Muito menos as teorias
linguísticas. Elas não levam ao domínio do português instrumental que orienta a
redação de bons textos – muito importantes para os futuros profissionais de
qualquer área.
BASE
NACIONAL COMUM CURRICULAR
O propósito do MEC de
fugir de enfoques gramaticais mostra-se bem claro quando referencia o ensino de
Português com a expressão genérica “Linguagens, códigos e suas tecnologias”. No
fluir do projeto apresentado, nenhum item versa sobre o ensino gramatical
objetivo e útil. Repetimos: não defendemos o ensino de gramática pela gramática
que a nada leva. Mas um arcabouço sintático, que mostre como as palavras se
formam e se juntam para estruturar a boa frase, é fundamental. Excluir essas
lições seria praticar um linguicídio e implantar um inaceitável analfabetismo
gramatical, o que torna inacessível o domínio da língua na sua modalidade
formal – muito importante para os que precisam se preparar para serem bons
profissionais em qualquer área.
As provas do ENEM
mostram com clareza a exclusão do ensino gramatical. Se alguém dividir a nossa
língua em linguagem vegetativa e linguagem racional, verá que a vegetativa está
sendo prestigiada, e a racional - utilizável em redações de textos
profissionais está sendo desprezada nas lições escolares e nas próprias provas.
Tal orientação representa um verdadeiro crime contra o sexto símbolo nacional
que é a língua pátria, ou seja, a língua nacional. Trata-se de um linguicídio
que atenta contra a unidade linguística nacional.
Os textos do projeto
Base Nacional Comum Curricular (com exceção do título) estão perfeitos. Têm
redação clara, inclusive os das propostas das questões das provas do ENEM. Não
devemos excluir nossos discentes do ensino médio ou superior da competência de
escrever claro e na modalidade formal sabendo sempre justificar as construções
utilizadas. Salvo melhor juízo, a Base Nacional Comum Curricular, no fundo,
propõe uma exclusão do aprendiz da capacidade imediata ou futura de redigir
bem. A boa formação impõe que se ensine a linguagem racional. A vegetativa ele
já sabe e a utiliza muito bem no seu meio social restrito.
Apenas para dar
alguns exemplos: sem o domínio modernizado do Verbo Diagramado proposto pelo
CES, fica difícil o aluno entender por que a modalidade formal seria dizer:
Quando vires ( e não “veres”) o trem chegar, avisa-me; Se vieres (e não
“vires”) sem computador, será difícil realizar essa pesquisa; Este é o momento
de o (e não “do”) juiz tomar a decisão; Os meus alunos têm lido (e não “lidos”)
os dois livros; O professor certificou o aluno de que (e não “que”) lhe
devolveu a prova. Professor, eu o vi (e não lhe vi) ontem na televisão.
O docente, sem
domínio gramatical, não saberá justificar a modalidade correta dos textos
acima. O analfabetismo gramatical vem prejudicando assombrosamente o ensino da
língua nacional na sua modalidade formal. Os Parâmetros Curriculares Nacionais,
o projeto “Base Nacional Comum Curricular”, os conteúdos das provas de
Português do ENEM, todos apontam para esse rumo nefasto. O mais lamentável é
que esse mal está sendo implantado desde a formação de professores de letras
que se diplomam sem dominar o essencial para o docente da língua pátria. Aí
estão as consequências do analfabetismo gramatical em franca implantação no
país, inclusive na formação da docência nos cursos de letras.
Prof. Francisco Dequi